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Opinião

Luto é mais que um direito, é lei

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Marcelo V Chinazzo
Por Marcelo V. Chinazzo – Pai do Miguel e do Gael, jornalista e escritor
Foto Marcelo V. Chinazzo

Há uma dor que nenhuma palavra no mundo consegue significar, que é a dor de perder um filho. Seja na gestação, no parto ou nos primeiros dias de vida. O modo e o tempo pouco importam, a perda de um bebê é um silêncio que ecoa dentro dos pais pelo resto da vida e não há palavras, gestos ou abrações que diminuam essa dor, tão pouco que tragam a cura. Mas há algo que pode e, deve ser feito, respeitar o luto e humanizar esse momento, amparando com dignidade quem acaba de ver seu mundo desmoronar dentro de um hospital.

E não se trata de favor. Trata-se de lei. A Lei nº 15.139, de 23 de maio de 2025, institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. Embora muitos hospitais ainda desconheçam, ou finjam desconhecer, ela está em vigor desde agosto, portanto, o seu descumprimento prevê sanções legais.

O dia 15 de outubro é o Dia Internacional de Conscientização sobre a Perda Gestacional, Neonatal e Infantil e, todo o mês de outubro é dedicado a essa causa. O objetivo é dar visibilidade a essa dor, respeitar o luto das famílias, humanizar o atendimento em saúde e sensibilizar a sociedade.
A lei é um primeiro passo, mas a fiscalização é o que garantirá sua efetividade. Ainda assim, mais do que uma mudança legal, é urgente uma mudança de cultura e de respeito de toda a população.

A perda gestacional e neonatal ainda é minimizada, como se o fato de o bebê não ter vivido fora do útero invalidasse o sofrimento dos pais e, pior, a própria existência daquela vida. E sabe quem são os primeiros a invalidar? As mesmas “pessoas de bem” que são contra o aborto, porque, segundo elas, desde a concepção já existe vida. Curioso, não? Para essas pessoas, uma mulher, que pode ter sofrido uma violência, deve obrigatoriamente seguir com a gestação, pois “já é uma vida”. Mas, quando uma mãe e um pai perdem um bebê, independentemente do tempo de gestação ou de horas após o nascimento, a dor deles não é validada, pois “nem chegou a nascer”. Decidam-se. E deixando claro que o ponto aqui não é o aborto e nem ser contra ou a favor, mas sim a coerência. Tendo vida desde a concepção, que se legitime também a dor pela perda dessa vida, mesmo que tenha ido embora no comecinho. Coerência, empatia, sensibilidade, bom senso e respeito não podem e, não devem, ser seletivos.

A perda de um bebê não é menos dolorida do que a de um filho com idade mais avançada e lembranças vividas. Então, se você não tem nada de sensato a dizer, permaneça em silêncio. Isso ajuda muito mais, te garanto. Antes de soltar “ao menos Deus te deixou um”, pense duas ou três vezes e, cale-se, pois, um filho não substitui o outro e não se trata de um prêmio de consolação. Dor não tem régua, não tem peso, portanto, não tente mensurar. A sua dor sempre parecerá a maior do mundo, mas a do outro é tanto quanto a sua, independentemente do tempo que essa vida teve dentro ou fora do útero.

Desde que a Lei nº 15.139 foi sancionada, o Brasil reconheceu oficialmente que o luto parental não é frescura, não é “coisa de pais fracos”, tampouco um detalhe burocrático da rotina hospitalar. É um direito garantido por lei, o de ser acolhido com respeito, humanidade e suporte especializado em momentos de perda gestacional e neonatal. Infelizmente, o que ainda se vê em muitas instituições de saúde é o oposto. Pais deixados sozinhos, médicos frios e alheios à dor da família, enfermeiras apressadas, sem empatia apenas cumprindo protocolos para terminar o plantão. Quando há psicólogos, o atendimento é breve e distante, muito aquém de uma dor que perdura por toda a vida.

A equipe preparada para lidar com o luto não se restringe aos profissionais de saúde, inclui também a limpeza, a cozinha e todos que transitam por aquele ambiente. Com frequência, essas pessoas entram no quarto rindo ou fazendo perguntas inadequadas, como se aquele espaço não vivesse o luto por uma viva interrompida. Sem contar que, muitas vezes, o quarto da dor é obrigado a dividir o espaço com a alegria de um nascimento, obrigando os pais enlutados a disfarçar a dor e a outra família sentindo até culpa, que dão deveria existir, por sua alegria. Além da falta de preparo, isso é uma questão cultural que precisa ser modificada. A família que vive uma alegria tem o direito de comemorar, tanto quanto a família enlutada tem o direito ao silêncio e ao respeito e o hospital precisa se adaptar e oferecer leitos separados. É lei. E lei tem que ser cumprida e “punto e basta”.

A administração hospitalar também deve estar preparada para lidar com os trâmites burocráticos, facilitando processos como cremação, velório e emissão de certidão de óbito, uma etapa que já é extremamente dolorosa, mas que não precisa ser desumana. A forma como os hospitais e equipes de saúde, salvo exceções, tratam famílias enlutadas é uma violação, é desumano e, desde agosto, é ilegal.

A lei é bonita e humanizadora, mas só tem valor se for cumprida de verdade e cumprir não é assinar um papel que fica esquecido em uma gaveta, mas sim, treinar equipes, garantir acompanhamento psicológico e oferecer tempo e espaço para o adeus. Cumprir é não pressionar para liberar o leito, não colocar mães enlutadas ao lado de quem amamenta, não esconder o luto como se fosse um incômodo e não, não é pedir demais. Não é querer tratamento especial. É o mínimo que um Estado e um sistema de saúde dignos devem oferecer a quem acaba de perder um filho. Se é lei, deve ser cumprida. Ponto final.

Chega de relativizar a dor dos pais. A Lei do Luto Parental precisa sair do papel e vir acompanhada de ações reais, concretas, orçamento, fiscalização e, sim, penalidades aos hospitais que se recusam a respeitá-la. Os gestores de saúde pública e privada precisam entender que, ou se prepara toda a equipe para lidar com a morte com dignidade, ou estará se cometendo uma violência institucional e, isso tem nome e consequência.

Médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, faxineiras, seguranças, todos precisam ser treinados para lidar com esse momento. É preciso entender que o cuidado não termina no óbito e, sim, é ali que ele começa. A morte não pode mais ser tratada como tabu, ela é parte da vida, mesmo quando chega cedo demais e fingir que ela não existe só aumenta o sofrimento de quem fica.

E quem acha que vai continuar tratando a morte gestacional e neonatal como um detalhe pode começar a se preocupar. Lei é lei. E se você, assim como eu, perdeu um filho bebê, saiba que você tem direito ao luto, ao cuidado e ao respeito. Isso não traz nossos filhos de volta, mas devolve um pouco da dignidade que a dor levou e, isso pode ser decisivo no processo de luto e na reconstrução da vida.

Que se cumpra a Lei!

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