Ontem, dia 29, foi o Dia Mundial do Coração.
Esse pequeno órgão, que parece caber na palma da mão,
mas de importância sem tamanho.
Não por nos fazer sentir ou amar, como dizem por aí,
mas por manter a vida em movimento.
Sabemos que é o cérebro que comanda tudo.
Mas, ainda assim, escolhemos o coração
para falar das nossas emoções e coisas da vida.
Talvez porque é mais bonito imaginar
que o que sentimos mora dentro do peito.
Hoje não quero falar do meu coração,
aquele que bombeia meu sangue e me mantém de pé.
Mas sim, falar dos meus outros dois corações.
Aqueles que, mesmo sendo clichê, batem fora do meu peito.
Um na barra da minha calça e o outro nas minhas mais bonitas lembranças.
Um deles, talvez o mais lindo que já existiu,
não bate mais neste plano.
O outro, igualmente lindo,
segue pulsando por aqui,
levando em si sua individualidade e um tanto do irmão.
Gael e Miguel,
Dois corações que começaram juntos,
em compasso perfeito no ventre da mamãe.
Um com pressa de viver,
o outro com a missão de continuar.
Gael nasceu com um coração aberto demais.
Tão aberto para a vida,
que o mundo não soube lidar com tamanha entrega.
Há corações assim,
nascem sem paredes bem definidas,
sem fronteiras claras,
sem as portas certas para organizar o fluxo da vida.
No desenho comum da anatomia,
o coração se divide em quatro câmaras,
duas em cima (átrios), duas embaixo (ventrículos).
Entre elas, portas chamadas válvulas
regulam a entrada e saída do sangue.
Mas no Defeito do Septo Atrioventricular Total,
essas portas não se formam como deveriam.
O que era para ser duas válvulas,
torna-se uma só, e entre os átrios e ventrículos,
há janelas abertas demais.
O sangue se confunde.
O que deveria ir para os pulmões
se mistura com o que já vem de lá.
E o pequeno coração trabalha dobrado.
Bebês com esse coração
ficam cansados fácil, suam muito,
ganham pouco peso.
Como se o corpo dissesse que é lindo ser inteiro,
mas pesado demais para um ser tão pequeno.
Às vezes, é preciso reconstruir o que faltou
com portas, paredes, limites.
Com técnica e ternura,
os médicos tentam ensinar aquele coração
a proteger-se, sem apagar sua essência.
Gael não teve tempo.
Seu coração, grande demais para este mundo,
partiu antes de ser adaptado.
E ainda assim, segue batendo em mim
na ausência, na lembrança, no amor que não tem fim.
Miguel nasceu com um coração "normal".
Padrões médicos, batimentos fortes.
Mas nele há mais do que técnica ou estrutura,
há pureza, coragem, gentileza.
Cada batida do Miguel é uma celebração.
Um farol de esperança.
Um milagre contínuo de renovação,
de luz, de vida.
Ele chegou assim
com um coração pronto para amar,
para aprender, para ensinar.
Para pulsar amor por onde passar.
Tudo começa cedo.
No início da gestação,
quando dois tubos cardíacos se encontram,
como mãos que se entrelaçam.
Eles se fundem, dobram-se como um "S",
e aos poucos, formam o que será o motor da vida.
As câmaras se separam, átrios e ventrículos.
As válvulas se organizam.
É uma coreografia delicada
entre o tempo e a biologia.
Assim nasce um coração saudável:
equilibrado, dividido, preparado.
Aprende desde cedo a separar
o sangue que vem da vida
do sangue que precisa de mais ar para continuar.
É esse equilíbrio que permite vida ao coração.
E se há uma última coisa que o coração pede,
é que, quando possível, se doe.
Doe órgãos.
Doe esperança.
Doe continuação.
Porque há corações que podem seguir batendo
em outros corpos,
pulsando vida por onde forem.
Salve vidas.
Salve histórias.
Dê amor mesmo depois do fim.
Deixe viver.
Doe vida.