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Saúde

Dr. Fábio Vaccaro lembra da importância da doação de córneas

O oftalmologista ressalta os desafios da conscientização e o impacto da tecnologia na recuperação da visão

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Para Dr. Fábio, quando se fala em doação de córneas, se fala em devolver o brilho do mundo a quem vi
Para Dr. Fábio, quando se fala em doação de córneas, se fala em devolver o brilho do mundo a quem vi
Dr. Fábio Vaccaro, médico oftalmologista especialista em córnea do Instituto de Olhos Santa Luzia, q
Por Marcelo V. Chinazzo
Foto Arquivo Pessoal Santa Luzia

Neste sábado, 27, é o Dia Nacional de Doação de Órgãos, uma data para lembrar e conscientizar a população sobre a importância da doação de órgãos. Para o médico oftalmologista especialista em córnea do Instituto de Olhos Santa Luzia, Dr. Fábio Vaccaro, que é também coordenador dos transplantes de córnea em Erechim desde 1997, a discussão ainda é necessária no país.

 

Segue entrevista com Dr. Fábio Vaccaro

Por que é importante falar sobre a doação de órgãos no Brasil e o que ainda precisamos melhorar em termos de conscientização?

“Falar sobre doação de órgãos é falar sobre solidariedade, sobre dar continuidade à vida mesmo depois da nossa partida. Cada doador pode salvar até oito pessoas e devolver a qualidade de vida a muitas outras por meio da doação de tecidos, como as córneas. No entanto, o que ainda precisamos melhorar é a conscientização da população e o diálogo dentro das famílias.

No Rio Grande do Sul, mais de 3 mil pessoas aguardam por um transplante e mais de 1.100 delas esperam por córneas. Esses números mostram que ainda há muito a ser feito. Muitas vezes, o processo de doação não se concretiza por falta de conversa prévia entre os familiares, que acabam não sabendo qual era o desejo do ente querido.

Além disso, é importante lembrar que a doação é um ato legalmente protegido e realizado com todo o respeito. Desde abril do ano passado, qualquer pessoa pode registrar a vontade de doar de forma digital, gratuita e segura, por meio do e-Notariado, o que é um avanço significativo.

A doação é um gesto que transforma não apenas a vida de quem recebe, mas também a de quem doa e de toda a comunidade. É uma forma de eternizar o bem”.

 

Como funciona, de forma geral, o processo de doação de órgãos no Brasil? Quem pode ser doador e qual é o papel da família nesse momento?

“O processo de doação de órgãos no Brasil é muito bem estruturado e segue protocolos rigorosos de segurança e ética. Tudo começa com a identificação de um possível doador em um hospital, geralmente um paciente em situação de morte encefálica, que é a morte confirmada do cérebro, atestada por critérios médicos e legais.

A partir daí, a equipe da Organização de Procura de Órgãos (OPO) é acionada. Ela é responsável por avaliar o caso, conversar com a família e conduzir todo o processo de autorização. Mesmo que a pessoa tenha manifestado o desejo de doar em vida, a autorização familiar é indispensável.

Por isso, o papel da família é central. É ela quem dá a palavra final e, muitas vezes, essa decisão acontece em um momento de dor e fragilidade. Quando a família sabe previamente da vontade do paciente, a doação ocorre de forma mais tranquila.

A partir da autorização, a OPO realiza exames de compatibilidade e aciona as equipes de transplante de cada órgão ou tecido, conforme a fila única e regulada pela Central de Transplantes do Estado.

Vale lembrar que, para doação de tecidos como as córneas, não é necessária morte encefálica, basta que o falecimento tenha sido natural e sem contraindicações médicas. Nesse caso, a captação pode ocorrer até seis horas após o óbito, sempre com autorização dos familiares.

O Brasil é referência mundial em sistema público de transplantes, mas o grande desafio continua sendo a conscientização. Mais de 60% das famílias ainda recusam a doação. Por isso, a melhor forma de mudar essa realidade é conversando, esclarecendo dúvidas e mostrando que a doação é um ato de amor e respeito à vida”.

 

O que exatamente é a doação de córneas e qual a diferença dela em relação a outros tipos de transplantes?

“A córnea é a camada transparente que recobre a parte anterior do olho, como se fosse o ‘vidro da janela’ que permite a entrada da luz. Quando ela perde sua transparência, por doenças, traumas, infecções ou degenerações, a visão fica borrada ou até completamente comprometida.

A doação de córneas consiste em remover, com muito cuidado, essa fina membrana dos olhos de um doador falecido e transplantá-la em um receptor que precisa recuperar a visão. Diferentemente de outros órgãos, a córnea não possui vasos sanguíneos, o que elimina a necessidade de compatibilidade entre doador e receptor. Isso simplifica o processo e aumenta as chances de sucesso.

Outro ponto importante é que quase todas as pessoas podem ser doadoras de córnea. Mesmo quem usava óculos ou tinha idade avançada pode ter córneas saudáveis e aptas ao transplante. A única exigência é que não haja doenças infecciosas que impeçam a doação.

Além disso, a doação de córnea não altera a aparência do doador. O procedimento é feito com técnica delicada e respeito absoluto ao corpo e à família.

A grande diferença em relação aos outros transplantes é que a córnea é um tecido, não um órgão vital, e o transplante é considerado de baixo risco. É um dos procedimentos com maior taxa de sucesso dentro da medicina, devolvendo não apenas a visão, mas também autonomia e qualidade de vida a milhares de pessoas todos os anos.

E hoje, com o avanço da tecnologia, nós conseguimos realizar transplantes de córnea com precisão a laser, o que permite cortes mais regulares, menor tempo cirúrgico e resultados visuais ainda melhores. Essa evolução representa um marco na oftalmologia moderna e transforma o que antes era apenas uma chance de enxergar novamente em uma verdadeira recuperação da nitidez e da qualidade visual”.

 

Quem pode doar as córneas após a morte? Existem restrições médicas ou de idade?

“Quase todas as pessoas podem ser doadoras de córnea. Mesmo indivíduos que usavam óculos, que tinham catarata operada ou idade avançada podem ter córneas perfeitamente saudáveis e adequadas para transplante. O que realmente importa é a qualidade do tecido corneano, avaliada logo após o falecimento.

As principais restrições médicas estão ligadas a doenças infecciosas ativas, como hepatites virais, HIV ou infecções sistêmicas graves. Fora isso, a maioria das pessoas está apta a doar.

No caso das córneas, não é necessário que o paciente tenha tido morte encefálica, como ocorre nos transplantes de órgãos. A doação pode ser feita também após a parada cardíaca, desde que dentro de um prazo de até seis horas após o óbito, e sempre com a autorização da família.

É importante reforçar que o procedimento é realizado com extremo cuidado e não causa nenhuma alteração estética. A retirada é feita de maneira discreta e respeitosa, e o corpo é entregue à família sem qualquer diferença em relação ao aspecto natural.

Cada par de córneas doadas pode devolver a visão a duas pessoas, e isso é extraordinário. Às vezes, algo que para uma família representa despedida, para outra se transforma em reencontro com a luz”.

 

E quem pode receber um transplante de córnea? Quais são as principais doenças ou situações que levam alguém a precisar desse tipo de transplante?

“O transplante de córnea é indicado para pacientes cuja transparência ou curvatura da córnea foi comprometida, impedindo a passagem adequada da luz e, consequentemente, uma visão nítida.

As principais causas que levam à necessidade do transplante são o ceratocone em estágio avançado, as cicatrizes corneanas causadas por infecções, traumas ou queimaduras químicas, e as distrofias hereditárias, como a distrofia de Fuchs, que afeta as células da camada interna da córnea. Também indicamos o transplante em casos de falência de transplante anterior ou de descompensação da córnea após cirurgias oculares complexas, como de catarata.

A decisão pelo transplante é feita com base em exames muito detalhados, como a topografia, a paquimetria e a microscopia especular, que nos mostram exatamente o grau de dano e qual técnica é mais indicada.

Hoje, com o avanço da oftalmologia, nós temos diferentes tipos de transplante, que podem substituir apenas a camada afetada da córnea, preservando as demais. Isso torna o procedimento menos invasivo, com recuperação mais rápida e menor risco de rejeição.

No Instituto de Olhos Santa Luzia, nós realizamos esses transplantes com o apoio de tecnologia a laser de alta precisão, que permite cortes milimétricos e personalizados, garantindo um encaixe perfeito entre o tecido doado e o olho do paciente. Essa tecnologia representa um avanço enorme em termos de segurança e qualidade visual.

A maioria dos pacientes que passa pelo transplante consegue recuperar uma visão funcional e, em muitos casos, voltar a trabalhar, estudar, dirigir e retomar a rotina com autonomia e confiança. É uma cirurgia que muda a vida”.

 

Existe algum tipo de teste de compatibilidade, como acontece em outros transplantes, ou o processo é diferente no caso da córnea?

“O transplante de córnea é um dos poucos procedimentos que dispensa testes de compatibilidade entre doador e receptor, como os que são necessários para órgãos sólidos, rins, fígado, coração ou pulmão.

Isso ocorre porque a córnea é um tecido avascular, ou seja, não possui vasos sanguíneos. Isso faz com que o risco de rejeição imunológica seja muito menor, já que o sistema de defesa do organismo não entra em contato direto com o tecido transplantado.

Ainda assim, antes de qualquer cirurgia, o Banco de Olhos realiza uma triagem rigorosa do tecido doado, verificando condições infecciosas, integridade, transparência e densidade celular, tudo para garantir a segurança do receptor.

O tecido é analisado com equipamentos de microscopia avançada e só é liberado quando cumpre todos os critérios de qualidade.

Essa característica da córnea, de não precisar de compatibilidade e poder ser utilizada por praticamente qualquer receptor, é o que torna o transplante tão especial. Ele é um dos procedimentos com maior índice de sucesso dentro da medicina, chegando a 90–95% de bons resultados visuais, especialmente quando realizado com técnicas modernas e tecnologia de alta precisão, como o laser de femtossegundo.

Essa tecnologia, que utilizamos atualmente no Instituto de Olhos Santa Luzia, permite um encaixe perfeito entre a córnea doada e o olho do paciente, reduzindo o risco de astigmatismo, melhorando o tempo de recuperação e elevando o padrão de segurança cirúrgica a um novo patamar”.

 

Quanto tempo uma córnea doada pode ser preservada? E como é feita a triagem para garantir que ela está em boas condições para o transplante?

“Após a autorização da família e a retirada do tecido, as córneas são encaminhadas para o Banco de Olhos, onde passam por uma série de análises extremamente criteriosas. O objetivo é garantir que o tecido esteja íntegro, transparente e livre de qualquer risco de contaminação.

No laboratório, são realizados exames de microscopia especular, que avalia a quantidade e a vitalidade das células endoteliais, responsáveis por manter a córnea transparente, além de testes sorológicos e microbiológicos. Apenas córneas que apresentam parâmetros dentro dos padrões internacionais são liberadas para transplante.

Uma córnea pode ser preservada por até 14 dias em meios de conservação específicos, mantidos sob rigoroso controle de temperatura. Isso permite que o tecido seja distribuído com segurança para os centros transplantadores conforme a ordem da fila única estadual, coordenada pela Central de Transplantes do Rio Grande do Sul.

Quando chega o momento da cirurgia, utilizamos toda a tecnologia disponível para maximizar a precisão do procedimento. Aqui no Instituto de Olhos Santa Luzia, contamos com o laser de femtossegundo, que realiza cortes personalizados e perfeitamente regulares tanto na córnea doada quanto na do receptor.

Essa precisão milimétrica proporciona melhor encaixe entre os tecidos, menor trauma cirúrgico, menos pontos de sutura e recuperação visual mais rápida. É um avanço que trouxe resultados extraordinários, especialmente na qualidade final da visão dos pacientes transplantados.

Cada etapa, da captação ao implante, é guiada por protocolos rígidos de biossegurança, e o respeito ao doador e à família é absoluto. O resultado é um processo seguro, ético e tecnicamente refinado, capaz de transformar de forma definitiva a vida de quem volta a enxergar”.

 

Quais os impactos que a doação de uma única córnea pode ter na vida de quem recebe?

“A doação de uma única córnea tem o poder de transformar completamente a vida de uma pessoa. Quando a visão se perde por uma doença da córnea, a pessoa deixa de enxergar o mundo com clareza, perde autonomia, muitas vezes deixa de trabalhar, dirigir, ler, ou até de reconhecer o rosto dos familiares.

Quando realizamos o transplante e a visão volta, é algo realmente emocionante. É comum vermos pacientes que não enxergavam há anos voltarem às suas atividades, retomarem o convívio social e a independência. São momentos muito marcantes para toda a equipe. Ver alguém que antes dependia de terceiros agora enxergar novamente é indescritível.

É importante lembrar que uma única doação pode beneficiar duas pessoas, já que cada córnea pode ser transplantada em um receptor diferente. Isso significa que um gesto de solidariedade pode literalmente devolver a luz a duas vidas.

Em Erechim, no Instituto de Olhos Santa Luzia, nós já vimos histórias lindas. Pacientes que, após o transplante, voltaram a estudar, a dirigir e até a exercer novamente suas profissões. Esse é o verdadeiro sentido da doação: transformar dor em esperança.

E a tecnologia tem potencializado ainda mais esses resultados. Hoje, com o uso do laser de femtossegundo, conseguimos realizar transplantes com altíssima precisão, oferecendo não apenas a recuperação da visão, mas também uma qualidade visual muito próxima da normalidade, algo que há alguns anos seria impensável.

Por isso, cada doação é, de fato, uma nova chance de ver e de viver”.

 

Você percebe que ainda existe algum tabu ou desconhecimento específico sobre a doação de córneas? O que você costuma ouvir dos pacientes e das famílias?

“Sim, ainda existe bastante desconhecimento sobre a doação de córneas e é justamente por isso que falar sobre o tema é tão importante. Muitas famílias, por falta de informação, acabam recusando a doação em um momento de dor, sem saber o quanto aquele gesto poderia transformar outras vidas.

Um dos mitos mais comuns é o medo de que a doação cause deformidades ou altere a aparência do doador. Isso não acontece. A retirada da córnea é feita de forma totalmente delicada, respeitosa e sem qualquer alteração estética. O corpo é entregue à família exatamente como estava.

Outro equívoco frequente é pensar que apenas pessoas jovens ou com visão perfeita podem doar. Na realidade, muitas córneas de doadores idosos ou com pequenos graus de refração são perfeitamente aproveitáveis. O que determina a viabilidade é a saúde do tecido, avaliada tecnicamente no Banco de Olhos.

Também existe certa confusão sobre o que é a morte encefálica. Ainda há quem acredite que o paciente possa “voltar”, o que não é verdade. Trata-se de uma condição irreversível, atestada por exames e protocolos médicos muito rigorosos. Essa falta de compreensão, infelizmente, faz com que muitas doações não se concretizem.

Por isso, o diálogo é fundamental. Quando as famílias já sabem do desejo do ente querido de ser doador, a decisão é muito mais fácil e serena.

A boa notícia é que a conscientização vem crescendo, e cada vez mais pessoas estão entendendo que doar é um ato de amor e generosidade. Cada vez que um paciente volta a enxergar e diz ‘eu recuperei minha vida’, isso mostra o quanto essa corrente do bem precisa continuar”.

 

Para quem quer ser doador, o que é importante saber ou fazer desde já? É preciso comunicar alguém, deixar algo escrito?

“O mais importante é manifestar a sua vontade e conversar sobre isso com a sua família. No Brasil, mesmo que a pessoa deseje ser doadora, o transplante só acontece com a autorização dos familiares. Por isso, falar abertamente sobre o assunto é um gesto simples, mas que pode fazer toda a diferença no futuro.

Desde 2024, existe uma forma oficial e gratuita de registrar esse desejo por meio do e-Notariado, uma plataforma digital dos cartórios brasileiros. O processo é rápido e totalmente online: o interessado preenche um formulário, participa de uma breve videoconferência com o tabelião e assina o documento eletrônico. Essa Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) passa a integrar o sistema nacional, podendo ser consultada pelos profissionais de saúde autorizados.

Mesmo assim, nada substitui o diálogo dentro de casa. Quando a família sabe da decisão, ela se sente mais segura e tranquila para autorizar a doação.

Doar é um gesto de amor que ultrapassa a vida. É a possibilidade de continuar presente na história de alguém, de devolver luz, visão e esperança.

Aqui em Erechim, no Instituto de Olhos Santa Luzia, temos o privilégio de testemunhar essas transformações todos os anos. Só em 2025, já realizamos 12 transplantes de córnea, muitos deles com o uso da tecnologia a laser, que oferece resultados mais precisos e visuais mais nítidos. Cada uma dessas cirurgias representa uma história de recomeço e, tudo começa com um simples ‘sim’ da família”.

 

Mensagem final do Dr. Fábio Vaccaro

“A doação de órgãos é uma das expressões mais bonitas da generosidade humana. É a forma mais concreta de transformar a dor em esperança e de dar continuidade à vida através do outro.

Quando falamos em doação de córneas, falamos em devolver o brilho do mundo a quem vivia na escuridão. Cada transplante é uma nova chance de enxergar, de trabalhar, de reconhecer o rosto de quem se ama. E ver isso acontecer é algo que emociona profundamente toda a equipe.

Desde 1997, tenho o privilégio de coordenar os transplantes de córnea em Erechim, e de acompanhar a evolução impressionante que a tecnologia nos proporcionou. Hoje, com o uso do laser de femtossegundo, conseguimos realizar transplantes com precisão micrométrica, oferecendo resultados visuais cada vez melhores e uma recuperação mais rápida e segura. É um avanço que coloca a oftalmologia da nossa região em sintonia com os grandes centros de referência do país.

Mas nada disso faz sentido sem a solidariedade de quem decide dizer ‘sim’ à doação. Por isso, minha mensagem é de gratidão e de incentivo: conversem com suas famílias, manifestem sua vontade, compartilhem informação. Cada doação é uma história reescrita e a luz que se acende em um novo olhar.

O Instituto de Olhos Santa Luzia segue comprometido em cuidar da visão e da vida das pessoas, com ética, tecnologia e humanidade”.

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