Poucos assuntos nesse mundo despertam tanto o lado primitivo do ser humano do que futebol, religião e política. Defender ideias nesta seara é tarefa árdua e são raros os exemplares capazes de ter o pensamento de Evelyn Beatrice Hall, a biógrafa de Voltaire.
Um pouco de História
Nascido há quase 330 anos, Voltaire foi, acima de tudo, um pensador de vanguarda. Aristocrata, educado por Jesuítas, esteve preso na famosa prisão da Bastilha, justamente por defender ideias que afrontavam a religião e a política. Exilou-se na Inglaterra, mas não a tempo de conhecer o futebol. Uma pena. Foi um dos pensadores iluministas que buscavam as liberdades individuais e a tolerância religiosa, baseada na razão. Já Evelyn Beatrice Hall, nasceu 160 anos depois e, dentre outras obras, escreveu a biografia de Voltaire. É dela a famosa expressão: Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo.
No futebol, pode xingar a mãe
Voltando ao foco. Lembro até o dia. Sete de setembro de 1995. Assistia a um jogo de futebol entre colegas de trabalho da Aplub, antiga patrocinadora do Internacional, quando escutei uma frase doida, numa disputa acalorada durante o jogo. O sujeito disse: pode falar mal da minha mãe, mas não tolero que fales mal do meu time. E partiu para a agressão. Aquela sentença foi como um vômito. Todos pararam, ficaram atônitos. Não era possível prosseguir na discussão e o jogo perdeu a graça. Esse é o clássico exemplar do torcedor doente. É assim, também, quando tem Grenal. Pior que Brasil e Argentina. É como se os dois países existissem sob o mesmo teto e entrassem em guerra por 90 minutos. Durante o jogo, os mais nervosos não conseguem conviver como co-irmãos, mas passado o jogo e, não havendo nenhuma aberração futebolística, tudo volta ao normal. É uma espécie de intolerância temporária, com exceções, é claro.
Na Religião
Na religião, por sua vez, o campo é fértil para o preconceito e a intolerância. Consegue, muitas vezes, ser até mais violento do que no futebol. É como se a prorrogação não terminasse nunca. Imagino que se Jesus estivesse encarnado entre nós, notaria que os dois milênios que separam aquela época dos dias atuais, não foram suficientes para nossa evolução. Toda religião tem uma finalidade, que costuma ser comum em qualquer credo. Mas é fácil perceber. A problemática que envolve a religião não reside nos fins, reside nos meios. É aí que o problema se alimenta, há milênios. Nem é bom nominar religiões para não ser acusado de intolerante, também. E a fé, essa fica pra depois, vez que seu exercício requer silêncio, paz e pensamento elevado.
Na Política
Por fim, a política, cada vez mais ferrenha e intolerante, especialmente no Brasil. Se o sujeito tende para um lado, é chamado de ladrão. Se para o outro, é genocida. Não há adjetivos intermediários. Assim, separam-se famílias, amigos e vizinhos. E, quando surge alguém na chamada “terceira via”, acaba sendo atacado pelos dois extremos, ao ponto de, sem querer, estes atuarem como aliados ocultos. Falar de política hoje em dia é como brincar com pólvora. Quem nunca leu um cartaz de paróquia dizendo: proibido falar de política. Mas não raro a gente vê os sacerdotes fazendo o quê em seus sermões? Política. Mais engraçado ainda, é encontrar velhos desafetos se aliando anos depois para atingirem seus objetivos pessoais, revestindo-se da tolerância, seletiva e oportunista. Usam o perdão como ferramenta, mas não o praticam. Felizmente, a boa política encontra abrigo no evangelho, mas só a boa. O combustível para esse desequilíbrio se chama fanatismo.
Misturando Futebol Religião e Política
E quando tudo isso se mistura? Futebol, política e religião? A atualidade está rodeada desses expoentes. Lideranças surgem desses meios, mas dificilmente encontramos alguém preocupado com os fins e o bem comum. E quando futebol, política e religião viram “business”, o resultado é pior ainda. Como Paulo, em Coríntios (10:23): “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permitido, mas nem todas as coisas edificam. Ninguém procure satisfazer os seus próprios interesses, mas os do próximo”. Enquanto o ser humano não descobrir que o seu interesse nessa vida deve ser o seu propósito (divino), encontrará nas searas do futebol, da religião e da política, ambiente propício para os ganhos de ordem material e inferior. E quando se dá conta, não raro, já é tarde demais. Tudo é perda quando há fanáticos.