Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem.
A frase do revolucionário comunista russo Vladimir Lenin (1870 - 1924), gostemos dele ou não, resume, de certo modo, o que virou o mundo em tempos de pandemia.
De uma hora para outra a Terra virou um campo de batalha entre a raça humana e o microrganismo chinês. Enquanto milhares foram jogados à linha de frente qual infantaria adestrada no combate ao vírus pernicioso e letal, outros tantos tiveram que trocar salas de reuniões pela tela do computador a fim de desempenharem seus trabalhos funções e ações de forma remota.
Há tempos, como jovem médico destemido, estaria na primeira linha, aliás como ali permaneci por mais vinte anos junto a um grupo de leais e competentes colegas pediatras. Unidos implantamos e desenvolvemos a terapia infantil na nossa cidade a partir de meados da década de 1980. Jamais fugimos à luta.
Hoje, pertencente ao grupo de risco por vários fatores, entre os quais a idade, estou na terceira ou quarta linha, atuando nas estratégias e organização das defesas dos pacientes e dos médicos. Porém, mantenho o mesmo ímpeto e ética de sempre me guiaram.
Daqui, percebo bem imensas mudanças no campo de batalha em que se transformou o planeta e particularmente nossa região. Tudo acontecendo numa velocidade exponencial e aparentemente não percebido por alguns. Outros parecem até querer tirar uma lasca da situação terrível.
Vejam como tudo mudou: o salto do comércio digital, por exemplo, é um dos mais notados. Só no primeiro semestre de 2020 foram 7 milhões de novos compradores, representando acréscimo de 47% no volume de vendas online, apenas no Brasil. Como não poderia deixar de ser as mudanças na área da saúde também foram espantosas, com ênfase no gerenciamento de dados em tempo real, além do providencial aperfeiçoamento e troca de informações entre profissionais médicos, consultorias especializadas, atualizações científicas e novos protocolos de tratamento amplamente disseminados.
Tal contexto, na extensão da tragédia mundial, impôs e impõe gigantescos desafios - e abre um leque imensurável de oportunidades – às pessoas comuns, médicos, empresas de todos os tipos, ramos e caráter.
Hoje, no entanto, quero me fixar apenas nos sentimentos, e sua importância para a vida de cada um e, igualmente, para as relações institucionais.
Durante a maratona interminável de reuniões via Teams e Zoom (plataformas que vieram para ficar), acho que entendi melhor o que o filósofo grego Aristóteles (384 a.C - 322 a.C) quis dizer há mais de 2.000 anos quando falou: o homem é um ser social, que precisa das relações e do convívio constante.
Aliás, o isolamento forçado de 2020 aguçou essa necessidade, levando-a ao extremo: mais que nunca percebemos que necessitamos uns dos outros para nossa saúde mental e quiçá física se manter equilibrada.
Nesse sentido, se é verdade que queremos o melhor da tecnologia, tendo tudo ao alcance de um clic, não menos verdadeiro é que também queremos a proximidade, o toque, o cheiro e a atenção pela presença de seres humanos, tão falhos e cheios de defeito quanto eu, ou - talvez bem menos - como vocês, meus bons leitores ou leitoras.
Administradores, CEOs e dirigentes de empresas de Saúde ou não, me permitam uma observação: o ideal é obter equilíbrio entre saídas tecnológicas para desintermediar e facilitar o contato, o acesso ou a compras ou serviços e, simultaneamente, evoluir na qualidade das experiências - como ensina meu amigo publicitário e escritor Arthur Bender, em sua vasta obra.
No presente, entendo que o grande desafio das entidades (especialmente no ramo da saúde) não é apenas tecnológica ou comercial, como alguns acreditam, mas sim, sair do meramente “transacional para o relacional”- aliás, sempre prioritário, no meu modesto e perseverante entender.
Assim espero que as semanas derradeiras desse (in)esquecível 2020, com a ansiada chegada da vacina, ocorram de forma menos traumática e inaugurem as décadas seguintes no seu curso ‘normal’. Essa dura lição jamais será esquecida pelos sobreviventes da atual pandemia.
Por outra, sob a perspectiva da vida privada, sigo desejando compartilhar um cafezinho e boas conversas, preferencialmente, em boa companhia. Que falta faz um abraço, um aperto de mão sincero; que falta faz a verdade do olho no olho, mesmo nas relações negociais.
Médico e membro da Academia Erechinense de Letras