Minha mãe conta que, durante a infância e ainda na adolescência, entre as histórias e fábulas que costumava ouvir, nunca esquece daquela que a contavam sobre as borboletas. “A borboleta, linda, colorida e frágil, quando a tocam, perde o brilho e a cor”. Clara alusão às mulheres e às “permissões” — historinha bem machista, diga-se de passagem.
Arrisco dizer que, na verdade, tudo isso se esvai quando não há consentimento. O brilho, a cor, a vivacidade da borboleta são brutalmente arrancados, sem permissão.
Recentemente, cientistas brasileiros conduziram uma pesquisa na Floresta Amazônica sobre as borboletas e o desmatamento. O estudo, em parceria entre UFPel, UFRGS e Centro para a Ecologia e Conservação da Universidade de Exeter, do Reino Unido, revelou que há espécies de borboletas se tornando menos coloridas em áreas desmatadas, quando comparadas aos locais de florestas preservadas.
Os resultados demonstram que a composição colorida desses insetos está diretamente ligada às características do habitat. Se não fosse a ação humana, as borboletas ainda apresentariam riqueza de cores e tons em suas asas. Me admira que continuem voando, as borboletas.
Aprendemos que, diante de um ambiente desfavorável, adapta-se. Mas quando tal adaptação consiste em ter características roubadas, como o brilho, a independência — e em alguns casos até mesmo a vida, literal ou simbolicamente —, normalizar não deveria ser opção. Acontece que é, e tem sido apresentada como alternativa ideal desde sempre. Do contrário, são poucas as que sobram pra contar história.
É do impedimento, da tentativa de anular o que se destaca, que as posições de poder se reafirmam, fortalecendo o status social e a estrutura, sempre arbitrária, nunca favorável — ao menos não para as borboletas. Assim, a liberdade de voar dá lugar ao medo, afinal, sequer é seguro existir aqui.
E como têm existências que incomodam! Principalmente porque questionam a adequação imposta. Sem permissão para resistir ao não consentimento, adaptam-se à resistência.
Hoje mesmo me disseram que borboletas são um bom sinal, indicam conservação — no sentido de proteção, diferente dos conservadores presos ao passado.
Pra não dizer que não falei das borboletas, já passou da hora de protegê-las. Corremos o risco de apagar, do mundo e da memória, o brilho e as cores, sem consentimento.