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Expressão Plural

Rastreando

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Gerson Severo
Por Gerson Severo
Foto Arquivo pessoal

Vinte e seis anos depois do lançamento de “Sobrevivendo no Inferno”, o álbum seminal, de relevância indiscutível e profundamente influente dos Racionais MC’s (1998) – vinte e seis anos durante os quais os modos de se fazer, produzir e botar música em circulação transformaram-se radicalmente, para mal e para bem -, a música brasileira pode estar conhecendo o “Sobrevivendo no Inferno” de seu tempo: o recém lançado “Irrastreável”, do rapper (e trapper) L7nnon, álbum com inacreditáveis 31 canções.

Não foram, porém, só os modos de se fazer, produzir e botar música em circulação que se transformaram radicalmente nessas quase três décadas: foi a presença crescente de vozes que também as compõem, antes inaudíveis, mantidas afastadas... irrastreáveis. Se em 1998 tínhamos a periferia de São Paulo gritando sua realidade, suas vidas, sua cosmopercepção, em 2024 é a periferia do Rio de Janeiro que o faz, com semelhanças e diferenças musicais (talvez mais diferenças) bem marcadas. L7nnon: “Se eu tiver que pagar com a vida pelo que eu falo/ Vou esperar minha sentença/ Hoje eu já não me calo.”

“Irrastreável, mas não no sentido de não se poder encontrar. É mais sobre você às vezes viver uma vida inteira sem ser notado. Sem ter voz, sem ser visto. É mais ou menos sobre isso. Falar um pouco da nossa realidade e da realidade de pessoas que vêm de onde nós vem. Seja bem-vindo. Seja bem-vindo, irrastreável.” Esse é o texto de um áudio posto como uma vinheta, uma passagem incidental, na faixa-título. Uma espécie de manifesto.

Muitas canções, aliás, soam como um manifesto. Como “Maldade na mente”, que abre o álbum: “Pa’ tu vê/ Nóis veio do barro.” Os/as irrastreáveis. “Ninguém tá vendo o que tu passa diariamente/ Ninguém vai querer voltar lá no teu passado/ Só conhecem você daqui pra frente/ Querem fazer você se sentir culpado/ Mas não foi nesse Rolex que eu vi que o tempo voa/ Não foi livro de autoajuda que me tirou da lama/ Ostentação pra mim é o sorriso da minha coroa/ Finalizando a ligação dizendo que me ama.”

A “ostentação”, característica de certo Rap, está presente – junto de sua autocrítica. Estamos ainda na mesma primeira faixa. “Por isso que agora nóis tá fazendo dinheiro/ Queria me tirar do topo, então nóis vamo vê quem vai cair primeiro/ Já que eu tô errado por nas linha ser tão verdadeiro/ Rico sem ter faculdade e nem nascer herdeiro.” Vê-se também referências cristãs, possivelmente evangélicas, um pouco à maneira de Bob Marley e a religião Rastafari, de procedência jucaico-cristã e afrocêntrica (ponto a ser estudado nesse gênero de música hoje, e em outros): “Contei no dedo todos os que me ajudaram/ Se for preciso, eu vou fazer tudo de novo/ Eu tenho o suficiente pra não faltar nada/ Tô pedindo a Deus pra que me dê sabedoria/ Mas é que vários não entende a nossa caminhada/ Só que Jesus vai na frente, ele é meu guia, visão/ (...) Na tempestade vocês tudo tava onde? Se for preciso eu dou a vida pa’ quem tava junto/ Caçar tesouro não é caçar assunto/ Se minha família tá bem, eu tenho tudo/ A vida é um sopro e o tempo é curto.”

O grito da realidade, aqui, é pragmático: joga com a realidade. “Se depender de mim, nóis vai vivendo a vida/ Nóis vai fazer bilhão só com rima e batida/ A questão não é chegar em primeiro/ É tá na corrida/ Aos 40 do segundo tempo/ Nóis fez o jogo virar.”

A letra, é claro, nem chega perto de dar uma ideia dá riqueza musical que a envolve e carrega. Trago aqui, então, caro leitor/a, uma dica: ouça os dois álbuns em perspectiva. De mente e coração abertos. São duas chaves de interpretação para se entender o Brasil. Em “Sozinho”, L7nnon canta: “Às vezes eu me sinto confuso, inseguro/ Eu já tentei te explicar/ Carregando o peso do mundo nos meus ombros desde cedo/ Tá difícil suportar.” Musical e culturalmente, contudo – pelo menos -, ele está longe de estar sozinho.

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