Em razão deste 20 de Setembro, a data em que, em 1835, foi deflagrada a Guerra dos Farrapos, eu pensei em fazer um texto que fizesse alusão a isso, sem, no entanto, que fosse mais um texto de história ou de cultura sul-rio-grandense como tantos os que haverá por aí. Eu estava em busca de uma abordagem original e que, mais que tudo, me interessasse explorar neste momento.
Na última quinta-feira, para buscar inspiração e ter uma ideia, botei uma playlist de “música sul-rio-grandense de base folclórica” (termo do jornalista cultural Juarez Fonseca) que eu tenho naquele streaming de música cujo nome começa com “s”, e passei a anotar excertos das letras das canções que iam tocando em sucessão aleatória e que me falassem profundamente sobre o Rio Grande do Sul, incluindo alguma coisa do cancioneiro tradicional do Uruguai e da Argentina – do Pampa (o céu ao revés, como escreveu Atahualpa Yupanqui). Quando olhei para o conjunto de trechos, eu já nem precisava de uma ideia: o próprio exercício, totalmente orgânico, me bastou. Partilho com o caro/leitor um pedaço (farrapos?) do resultado:
“Venga una historia de ayer/ que apreciarán los más lerdos/ El destino no hace acuerdos/ Y nadie se los reprocheya/ Estoyviendo que esta noche/ Vienen del sur los recuerdos.” (Jorge Luis Borges/ Vitor Ramil)
“Estas botas parecem da família/ Desbotadas de suor e água de sanga/ Lustrosas das correias das esporas/ Com seus bordados que teceu o mato/ Desenhados a mãos de unhas-de-gato e japecanga/ São velhas botas de solado gasto/ Já deformadas de viver de arrasto” Delci Oliveira
“Sou a cor verde do pampa/ Nas manhãs de primavera/ Sou cacimba de água pura/ Nos fundos de uma tapera/ Sou lua, sou céu, sou terra/ Sou planta que alguém plantou/ Sou a própria natureza/ Que o Patrão Velho criou” (Os Farrapos)
“Se a verdade não falha/ Todo saber lhe assunta/ Você é o que espalha/ E não aquilo que junta” (Gujo Teixeira)
“Amada, me deu saudade/ Me fala que a égua tá prenha/ Que o porco tá gordo/ Que o baio anda solto/ E que toda a cuscada lá em casa comeu” (Mauro Moraes)
“Florêncio afiou a faca/ Pensando no seu cavalo/ Parceiro pelas lonjuras/ Na calma das campereadas/ O patrão disse a Florêncio/ Que desse um fim no matungo/ Quem já não serve pra nada/ Não merece andar no mundo/ A frase afundou no peito/ E o velho não disse nada/ E foi afiar uma faca/ Como quem pega uma estrada/ Acharam Florêncio morto/ Por cima do seu cavalo/ Alguém que andava no campo/ Viu um centauro sangrado/ Caídos no mesmo barro/ Voltando pra mesma terra/ Que deve tanto ao cavalo E tanto a Florêncio Guerra” (LuisCarlos Borges)
“Vento Minuano/ Eu te peço que prossigas/ Nessa cantiga de fraterna comunhão/ Vento Minuano/ Pensativo, te reponto/ O meu mate já está pronto/ Porque sou madrugador” (Telmo de Lima Freitas)
“Conocerse, claro está/ Que necesita su tiempo/ Con añosque albañilean/ Y años de derrumbamiento” (Eduardo Darnauchans)
“De Anas sem terras por eras/ A força e a dor que ocultam/ Herdei o dom de acaudilhar/ Herdarei o silêncio/ Herdei desejo de olvidar/ Y nada yo lo hago com fronteras que me dan” (Clarissa Ferreira)
“Que além de loco/ Nós não nascemo de susto/ Semo flor de bailarino/ De campo fino/ Temo graxa na picanha” (Mauro Moraes)
“É bem assim no Rio Grande/ Pampa e fronteira se entona/ Num lote de vaquilhona/ Mostrando a mossa da cola/ E o choro lindo da espora/ Quando me largo pra vila/ Com o bolso cheio dos pila/ Buscando um som de cordeona” (Mauro Moraes)
“Com pocas cosas llegué/ Com pocas cosas me voy/ Que las maletas muy llenas/ Son pa’estorbo/ Digo yo” (Los Zucaras)
“Cada vez cuando me voy/ Cada vez cuando me iba/ Nunca le dije hasta nunca/ Hasta luego le decía” (Pepe Guerra)