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Expressão Plural

Luis Fernando Verissimo (II)

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Gerson Egas Severo
Por Gerson Egas Severo
Foto Arquivo pessoal

Na semana passada, em razão da morte de Luis Fernando Verissimo, eu fiz o exercício de extrair do livro “Verissimas: frases, reflexões e sacadas sobre quase tudo”, de 2016, pérolas do pensamento do autor, organizadas por Marcelo Dunlop e estruturadas em verbetes como verbetes de dicionário, de A a Z. Uma vez que, junto a breves impressões de leitura sobre a obra de Verissimo, eu havia reunido um verbete para cada letra do alfabeto, de A a L, nesta coluna eu trago verbetes escolhidos de M a Z, completando uma “leitura da leitura”. Bom proveito!

Mesa-redonda. Meu medo é que tenha outra vida após a morte, mas que seja só para debater esta.

Nostalgia: A época de ouro de qualquer coisa é sempre a que veio antes da nossa.

Objetividade: A definição do que seja objetividade é sempre muito subjetiva.

Parábolas: É o problema com as parábolas, elas dão lições valiosas, mas de uma forma que ninguém entende.

Professor: Sempre achei que o melhor professor de português do Brasil foi o Pelé. Quem o viu jogar ou hoje vê os seus teipes sabe que o Pelé jamais fez uma jogada que não fosse parte de uma progressão para o gol. O sentido de tudo que o Pelé escrevia com a bola no campo era o gol. O drible espetacular era apenas circunstancialmente, com perdão do longo advérbio, espetacular, porque ele existia em função do objetivo final. A lição para escritores é: defina o seu gol e tente chegar lá como o Pelé chegaria, com poucos mas definitivos toques, sem nunca deixar que os meios o desviem do fim. E se, no caminho para o gol, você fizer alguma coisa espetacular, esforce-se para dar a impressão de que foi apenas por obrigação.

Quadrinhos: Nos filmes e histórias em quadrinhos da nossa infância recebíamos uma lição da qual só agora me dou conta. Não era a que o Bem sempre vence o Mal, embora o herói sempre vencesse o bandido. Quem dava a lição era o bandido, e era esta: a morte precisa de uma certa solenidade. O bandido era incapaz de simplesmente matar alguém, ou matar alguém simplesmente. Para ele o ato de matar precisava ser lento, trabalhado, ornamentado, erguido acima da sua inaceitável vulgaridade — enfim, tão valorizado que dava ao herói tempo de escapar e ainda salvar a mocinha.

Recordar: Sempre escrevemos para recordar a verdade. Quando inventamos, é para recordá-la mais exatamente.

Sábado: Sábado é aquele dia semiútil, uma espécie de domingo sem muita convicção. Você não pode fazer as coisas que normalmente faz nos domingos, como nada, mas também não pode fazer muito, posto que é sábado.

Tecnologia: Tenho, diante de qualquer mecanismo mais complicado que uma tesoura, o mesmo temor reverencial, nascido da ignorância, que os antigos tinham diante do trovão. Na verdade, nunca entendi direito como funciona uma torneira.

Universo: O Universo, afinal, não é tudo.

Voltar: É preciso voltar. A grande liberdade é essa, ter sempre para onde voltar.

Woodstock: O espírito de Woodstock não durou muito. Depois vieram os aborrecidos anos 1970, quando todo o mundo teve que ir ser egoísta e ganhar a vida.

Xadrez: O xadrez é um jogo violentíssimo. Parte do tempo em que parece estar pensando no seu próximo lance o jogador de xadrez se dedica a imaginar o que faria com o adversário e sua família se não precisasse se controlar. A única coisa comparável ao xadrez em violência é o polo jogado por mongóis, mongóis, em que dois times a cavalo disputam a posse de um cabrito através de vastas extensões de estepes, muitas vezes arrasando cidades inteiras no caminho. O polo mongol é o xadrez sem o autocontrole.

X, Y e Z: São as últimas letras do alfabeto. O X e o Z são, juntos com o K, as letras mais duras e antipáticas do alfabeto, e existe uma suspeita de que sejam nazistas. Não admira que o Y, entre as duas, esteja com os braços para cima, apavorado.

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