Óbitos gestacionais ou de recém-nascidos muitas vezes são negligenciados, porém deixam marcas profundas na vida da família
Hoje, dia 15 de outubro é celebrado o Dia Internacional da Conscientização da Perda Gestacional e do Recém-Nascido. Data para lembrar a necessidade de humanizar o atendimento à saúde e apoiar famílias enlutadas. A perda neonatal é uma experiência dolorosa que provoca um turbilhão de emoções nos pais.
A psicóloga Marjana Gasparin, lembra que o luto é cíclico, ou seja, não é porque você passou por todas as fases que ele simplesmente acaba. “Daqui 10 anos pode ser que tu vais lembrar e reviver um pequeno luto. Não é uma história que vai se apagar. É natural que a gente vá esquecendo certas coisas e está tudo bem, pois o principal nunca vai ser esquecido. Às vezes é difícil a gente entender porque é abstrato”.
Porém é preciso estar atento ao que é considerado luto patológico, tendo em vista a intensidade dos sintomas, a paralisação da vida e a incapacidade de se desprender do objeto perdido depois de um período de mais ou menos dois anos.
Emoções comuns após a perda neonatal
Os pais enfrentam uma gama de sentimentos intensos, incluindo as cinco fases do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação.
- Tristeza: a dor da perda de um filho é avassaladora;
- Raiva: pode ser direcionada a situação, a si mesmo ou a Deus;
- Culpa: questionamentos sobre o que poderiam ter feito para evitar a perda;
- Confusão: lidar com emoções que mudam rapidamente.
Aqui além do luto podemos ter quadros de depressão e ansiedade.
Impacto nas relações
O luto pode aproximar ou afastar os parceiros. Casais que se apoiam mutuamente tendem a se fortalecer, enquanto aqueles que não compartilham seu sofrimento podem enfrentar sérios desafios na relação.
Apoio emocional
Uma boa rede de apoio com amigos e familiares é fundamental para oferecer conforto e suporte para o momento. Além disso, a terapia ajuda a processar a dor e elaborar o luto.
Os grupos de apoio são muito válidos, pois permitem a troca de experiências com outras famílias que passaram por situações semelhantes.
Diferenças no luto entre mães e pais
As diferenças nas experiências de luto dependem mais da bagagem pessoal e das expectativas criadas para o bebê do que do papel de mãe ou pai.
“As pessoas esperam que as mulheres sofram mais porque gestaram. Porque tem aquela coisa cultural de que em teoria a mãe sentiria mais. Tudo depende muito do lugar que aquela criança ocupou no imaginário desse pai e dessa mãe. Em muitos casos o pai fica muito mais desolado do que a mãe”, afirma Gasparin.
“A gente perde o que a gente idealizou e talvez essa seja a parte mais difícil. O que a gente esperava, o que a gente sonhou, o lugar que a gente construiu e a gente não sabe muito bem como desconstruir”, complementa.
Honrando a memória do bebê
As famílias podem honrar a memória do bebê ao seguir suas vidas, mantendo sempre a lembrança viva. Ritualizar a perda, seja através de cartas, doações ou outros atos simbólicos, pode ser um caminho de cura.
“Honrar é seguir a vida. É ser feliz tendo esse buraquinho dentro. Assim como a gente tem um monte de outros. É seguir construindo, é seguir planejando, é seguir sendo feliz”, pontua Gasparin.
O luto neonatal
É um sentimento que varia muito de pessoa para pessoa. “O outro, muitas vezes, vai tentar fazer com que a gente pare de sofrer. E não existe parar de sofrer. O luto em si vai ser elaborado, mas a perda vai estar sempre ali. Esse filho não é esquecido. Esse filho não vai deixar de fazer parte da história”, destaca Gasparin.
De acordo com a psicóloga, o luto é como se fosse uma bola preta que não vai mudar de tamanho. O que vai acontecer é que vai começar a ter vida ao redor desta bola e essa vida vai fazer com que essa perda fique ali, daquele mesmo tamanho. Não será esquecido, mas a sensação é que fique mais fácil.
“Acho que a pior coisa em relação ao luto é que as pessoas esperam uma resposta para resolver. Mas não tem uma resposta certa que vai resolver pra todo mundo. Que vai fazer o sofrimento passar. Sim, com a vida ele fica menor. Porque vai ficando colorido ao redor”, coloca Gasparin.
Lidar com comentários inadequados
Pais enlutados devem sentir-se à vontade para estabelecer limites e explicar que não desejam discutir a perda em determinados momentos.
Há o entendimento de que o outro, ao dirigir a palavra, quer ajudar, porém muitas vezes aquelas frases prontas acabam machucando mais. Um bom exemplo é o famoso “com o tempo passa”. E Gasparin deixa claro que não passa e não é para passar. “Passar significa esquecer. E isso não vai ser esquecido. Às vezes as pessoas têm, inclusive, muito medo de esquecer e por isso não conseguem sair dos seus lutos. Porque acreditam que seguir a vida seria não honrar aquele que morreu. E é ao contrário”.
Educando sobre o luto neonatal
Falar abertamente sobre o luto e a morte é crucial para desmistificar o tema. Campanhas de conscientização ajudam a reduzir o tabu e a normalizar essas conversas.
“Acho que esse é um movimento muito bacana. Vai ter muita gente que vai ler e falar que leu uma matéria sobre isso. É assim que a gente começa a falar sobre a morte. É parando de fingir que não se fala. Então, que seja leve”, destaca Gasparin.