Da tradição a qualidade da farinha. Assim são os moinhos coloniais resgatados dentro do programa de agroindústria familiar, que na região do Alto Uruguai já somam sete, abrangendo os municípios de Erechim, Gaurama, Severiano de Almeida, Cruzaltense e Erval Grande.
A diferença é que esses moinhos moem à pedra, o processo é tradicional, diferente do sistema industrial. Recuperando a tradição, aliando-a tecnologia ao processo de secagem e armazenagem de grãos. O agrônomo da Emater Regional Carlos Angonese explica que quando o processo de secagem dos grãos é feito a partir da queima da madeira, o processo produz fumaça e alguns dos componentes são os Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs), capazes de reagir com o DNA, tornando-se cancerígenos. “Já quando secamos com energia solar ou ar ambiente, além de não quebrar o grão, não produzimos as contaminações por HPAs”, diz.
O processo também inclui a armazenagem em silos com rebaixamento de temperatura, preservando a qualidade destes grãos ao longo do tempo. “Aliamos o que temos de tecnologia para a matéria prima e o processo é o processo tradicional de moagem. Por este motivo temos uma farinha de igual qualidade desde o primeiro mês de colhida até o último mês de armazenamento do estoque de grãos. Por conta deste trabalho de secagem e armazenagem de grãos, se consegue manter em mais alto nível a qualidade destas matérias primas ”, salienta.
Angonese salienta que foi feito todo um trabalho de recuperação destes moinhos, que estavam abandonados. “O pequeno produtor recuperou a história e adicionamos tecnologia para garantir a qualidade da matéria prima. Quem tem matéria prima de qualidade faz produto de qualidade, porque não se melhora produto ao longo do processo”, acrescenta.
Moinho compacto
Na propriedade de Jacó Zulian, 67 anos, no Vale Dourado, interior de Erechim, o moinho de pedra compacto e moderno veio se agregar à propriedade. No local há produção de ovos, através de 27 mil aves, produção de erva mate, cactário, café colonial. E de acordo com o agrônomo da Emater Municipal, Cláudio Roberto Kochhann, o moinho vem integrar o processo.
Construído em 2014, entrou em funcionamento há um ano. Um sonho desde quando era jovem trabalhar com moinho, conta Jacó. Apesar de ser pensado para uso somente da propriedade, ele trabalha farinha diferenciada, com milho orgânico. E também presta serviço fazendo a moagem para terceiros, mas somente para milho orgânico. Recuperando uma tradição das primeiras famílias que colonizaram a região. Elas cultivavam o milho, selecionavam as espigas e os grãos e levavam o produto ao moinho colonial, visando garantir a polenta e o pão da família. Jacó pretende cultivar 2 hectares com milho orgânico visando atender a demanda pela farinha diferenciada que produz.
Para a próxima safra pretende construir um secador solar.
Expandindo a moagem
Maicon Farina, 19 anos, trabalha com os pais Amarildo e Tania e o irmão Marlon, em Lageado Paca, interior de Erechim. Ele concluiu o ensino médio e resolveu seguir os passos do pai no moinho.
A atividade iniciou há 25 anos, quando o pai começou com na moagem de grãos e, ela é hoje a principal atividade da família. Cultivam 7,5 hectares de milho para usar na produção de farinha.
“Achei interessante a ideia de trabalhar com meu pai ao invés de trabalhar na cidade. Vi que aqui tinha como aumentar a produção e a renda”, diz. A moagem gira em torno de 1 mil kg ao mês. Mas para o próximo ano pretendem diversificar produzindo canjica, farinhas de trigo e centeio.
A produção é comercializada na cooperativa Nossa Terra, nas feiras do bairro Progresso, Estevam Carraro e, em diversos mercados da cidade e também para a merenda escolar.
Ampliando a área cultivada com cereal convencional
Um dos primeiros a ter o moinho colonial legalizado na região, Alcides Fagundes, de Gaurama, trabalha com milho convencional há dois anos. A idéia iniciou a partir de um presente do genro: as pedras do moinho e mesmo com dificuldades, foi em frente.
Pretende dobrar a área de plantio nesta próxima safra, cultivando 10 hectares com milho convencional, visando aumento na reserva de grãos. Principalmente, porque já está com pouca matéria prima para ser transformada em farinha. Como é difícil encontrar o produto não transgênico para moagem, já está reduzindo a entrega para alguns compradores. Hoje, ele comercializa para mercados de Gaurama, Viadutos e Erechim, além da merenda escolar. São 2 mil quilos por mês de farinha de milho. Produz ainda a farinha de trigo integral e pretende incluir para o futuro, a produção de farinha de centeio integral.
Três gerações em um mesmo moinho
Situado no Vau Grande, município de Cruzaltense, está localizado o Moinho Gnass. À margem do rio Erechim, que cede suas águas para movimentar as duas pedras de mó, este moinho quase centenário, talvez seja o mais antigo em funcionamento da região Norte do Estado. Administrado atualmente por Cleonice Gnass, ela segue a tradição seu pai Carlos Gnass que comprou, construiu o moinho em local privilegiado junto ao rio Erechim.
A história dos moinhos de pedra
Por volta de 10.000 anos atrás, foram criados os primeiros pilões para moer grãos. Consistia em um almofariz, ou um bojo esculpido em um tronco de árvore e um galho que era moldado em forma de pilão. Este processo era lento e dependia de força bruta. Mais tarde, foi desenvolvida a pedra lombar, ou seja duas pedras planas com sulcos que esfregavam os grãos para frente e para trás. Por volta de 3000 anos atrás, apareceram pedras lombares maiores que poderiam atender demandas de grupos maiores de pessoas. Registros em uma pirâmide indicam que os egípcios tornaram a moagem uma indústria, visando provavelmente, a produção de farinha e pães para os faraós.
Logo depois a tração animal cedeu lugar a força hidráulica e o moinho evoluiu para duas pedras plantas sobrepostas, que se disseminaram pela Europa. A pedra gira sobre outro disco de pedra, fixo, triturando os grãos colocados entre eles.
Os primeiros moinhos foram instalados no Brasil por colonizadores europeus. Artesãos fabricavam as peças mais importantes do moinho, os discos de pedra, a partir de blocos de granito. Os sulcos nos discos de pedra servem para moer os grãos e a partir do movimento circular da pedra, atirar a farinha para fora e posteriormente ser coletada para ser peneirada.
Segundo os moleiros ou moinheiros, as pedras conferem aos grãos moídos características especiais que diferenciam a qualidade da farinha. O aquecimento do grãos pelo atrito das pedras faz com que a farinha saia quente do processo e talvez isto explique o uso da madeira como melhor material de construção para a caixaria que envolve a pedra, as peneiras e caixas de depósito das diferentes granulometrias de farinhas.