Carnaval
A palavra tem origem italiana, carne levare. Levar-se pela carne, que segundo o Livro Sagrado, é fraca. Festa profana atada ao calendário católico, acontece na Epifania, manifestação divina que inicia na chegada dos Reis Magos a Belém, a seis de janeiro, a adorar o Deus Menino, e termina nos dias gordos, de euforia total e explosiva. Daí a terça-feira gorda.
Findam, portanto, Epifania e Carnaval na Quarta-Feira de Cinzas (Das cinzas vieste e às cinzas voltarás – profecia das mais tétricas), a exatos quarenta dias do domingo de Páscoa.
Saibam que a data burlesca é determinada de trás para frente. Explico: a contagem inicia no primeiro domingo depois da primeira lua cheia do outono no hemisfério sul – Domingo Pascal. Subtraídos quarenta dias, chega-se ao tríduo de Momo.
Ajustadas datas e latitudes, vem a Quaresma. Tempo de arrependimento, constrição e pejo pelas faltas cometidas. Época de expiação da culpa de ser feliz - mesmo que por poucos dias.
De certo modo, a quaresma, libera e avaliza todas as aprontadas e refregas cometidas pelos foliões e folionas durante a lambança geral – vai de gosto e fôlego. Logo depois os desvairados terão, por direito adquirido há milênios, quarenta dias e quarenta noites para os mais profundos arrependimentos. Desde que estes sejam sinceros e purificadores.
Pessoalmente acho a quaresma um exagero. Bastaria uma semana para lavar e enxaguar a minha alma. Donde sou levado a concluir: ou ando a me arrepender com muita facilidade, ou estou completamente desatualizado no que se trata de pecar. Não consigo imaginar qualquer transgressão ou sacanagem que me valha mais que duas ou três noites de insônia. Que, aliás, seria a insônia do justo.
Por outra, sei de alguns que por pouco - às vezes tão somente migalhas de pensamentos ou raríssimas escapadelas - passam a vida sob terrível penação. Assim, entendam leitores, quão é elástica e complacente é a consciência humana. Como variam os sentimentos e a culpa de cada um.
E assim seguem os carnavalescos, ano após ano. E assim sigo eu quaresmando nesse meu outono da vida. De resto à certeza que todos nós, na alegria e no amor, guardamos a centelha divina - no carnaval e sempre.
*Separata do livro Amigos e Medos