É preciso diminuir os gastos públicos, acabar com esta gastança do governo, reduzir, economizar, o governo tem que parar de gastar. Se ouve muito essas frases por aí, nas redes sociais, no ambiente familiar, dos amigos, colegas de trabalho, nos grandes veículos de imprensa. Este significado é quase unanimidade na sociedade brasileira atual. Mas quais os problemas dessas frases? Basicamente dois, primeiro, escondem da opinião pública, o maior gasto público do orçamento federal, que parece ser invisível, e, segundo, fazem acreditar que o dinheiro público investido na sociedade é desnecessário, ilegítimo, o que não é verdade.
O maior gasto público do orçamento, disparado, há muitos anos, superior a qualquer outro, são os juros e amortizações da dívida pública, que representaram 42,96% do orçamento federal de 2024, conforme gráfico da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), que deu visibilidade a esta realidade antes inacessível à população. Uma das poucas vozes a alertar para os efeitos nocivos, destrutivos, dos juros elevados. Esta entidade produz vasto conhecimento técnico, com explicações, gráficos, estudos científicos, jurídicos, que não encontram recepção nenhuma na política brasileira, que poderia questionar e trazer este assunto à tona, já que envolve trilhões de motivos, contudo, é assunto morto, jogo jogado, ignorado.
Estes 42,96% de gastos com juros se comparados com áreas essenciais é um descalabro, insanidade e irresponsabilidade monumental, com todo um país, porque, em 2024, somente 2,95% do orçamento federal foram para educação, 4,16% para a saúde, 2,34% para o trabalho e 5,99% para assistência social. Ninguém em sã consciência pode afirmar que estes números são equilibrados. E o caos continua, as transferências para todos os estados e municípios do país se limitaram a apenas 11,07% do orçamento.
A tão famigerada Previdência Social, de todos holofotes, há décadas, utilizou 21,6% do orçamento (metade do gasto dos juros), sendo que é aquele dinheirinho que sustenta milhões de famílias para sobreviver e, no frigir dos ovos, vira impostos para o governo.
Ah, não dá pra esquecer de citar dos 3,11% do orçamento federal que englobam várias áreas, chega a ser vexatório, mas é a realidade das finanças brasileiras. Administração (0,5361%), Agricultura (0,4394%), Segurança Pública (0,3589%), Ciência e Tecnologia (0,3173%), Transporte (0,3069%), Gestão Ambiental (0,03039%), Comércio e Serviços (0,0628%), Organização Agrária (0,0585%), Indústria (0,0440%), Cultura (0,0430%), Urbanismo (0,0351%), Direitos da Cidadania (0,0271%), Energia (0,0215%), Desporto e Lazer (0,0057%), Saneamento (0,0052%), Habitação (0,0003%). Por isso o Brasil é como é inacabado.
Não é preciso ser economista para entender que mais juros geram mais dívidas e só problemas. O brasileiro sabe disso, muito bem, no couro, mas os juros continuam altos, décadas após décadas, sendo o próprio governo que define as taxas, mantendo-as elevadíssimas. Por quê? Qual estratégia para sair disso? Há planos de curto, médio e longo prazo, alguma alternativa? Parece que a conta é feita diariamente no papel do pão e assim já se vão quase 30 anos fazendo a mesma coisa sem resultados práticos para a sociedade. Aliás, só gerando dívida pública, cortes de investimentos, sobrecarregando as famílias, empresas, negócios, uma infinidade de prejuízos sem fim.
O economista, Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, mostra, em artigo “Juros: Quando o Brasil enfrentará o rentismo?”, que o acumulado dos dispêndios com juros ao longo da série histórica atingiu R$ 11,4 trilhões, segundo informações divulgadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), desde o início de sua apuração em janeiro de 1997.
É um mar de recursos que ao longo deste período poderia ter beneficiado todo conjunto da sociedade, reduzido a carga tributária das empresas, ampliado o salário dos trabalhadores, virado inúmeros investimentos em saúde, educação, infraestrutura, cultura, tecnologia, pulverizado a riqueza no país com muito mais bem-estar para as pessoas. Estes recursos poderiam ter se tornado projetos de desenvolvimento socioeconômico. Mas não, todo este mar de recursos, inimaginável, não produziu nada de bom a não ser se concentrar nas mãos de poucos. Esse é o modelo que se pratica no Brasil de capitalismo, às avessas, Estado mínimo para muitos e Estado máximo para poucos.
Esta maneira de se fazer economia impede o país de se transformar e desenvolver para manter o Brasil na periferia do mundo, mesmo sendo absurdamente muito produtivo como se vê na agropecuária, líder mundial, num país sem infraestrutura. Num breve delírio, imagina todos estes recursos investidos em estradas duplicadas, triplicadas, Brasil afora, em portos, aeroportos, trens cortando o país de ponta a ponta para escoar a produção. Não haveria limites para os avanços do Brasil e dos brasileiros, que não se furtam de ir à luta. Este modelo inviabiliza qualquer panorama produtivo e perspectiva de futuro que se perdem por decisões que condenam uma nação ao subdesenvolvimento e à pobreza permanente.
A Transbrasiliana (BR 153) precisa de R$ 500 milhões para ser asfaltada e beneficiar dois polos produtivos e econômicos. Para se ter uma ideia material do absurdo que é isso tudo, conforme a ACD, a elevação de 1% da taxa Selic representa um custo adicional em torno de R$ 55 bilhões anuais para os cofres públicos. A pavimentação da rodovia federal teria impacto na região Norte do RS com 1% desse valor. É muito desperdício sem nenhum propósito.
O país, a população, todos os setores que compõem a economia, são, ordinariamente, diariamente, convidados e obrigados a fazer sacrifícios, cortar na carne, fazer contas incalculáveis, pagar mais impostos, abrir mão da própria vida para conseguir rolar as contas, sobreviver nesta estrutura econômica contrária a qualquer equilíbrio mínimo, enquanto se queimam somas vultosas de recursos públicos com juros, sem finalidade alguma para o bem da sociedade, sem justificativa técnica, para estarem no patamar que se encontram há tantos anos.
Décadas se passaram e ninguém enxerga o fim do túnel, muito pelo contrário, o buraco fica cada vez mais fundo e o arrocho cada vez pior. Reduzir os juros deveria ser a prioridade número um da sociedade brasileira, porque tudo, afinal de contas, se resume ter ou não recursos – gerados pelo trabalho dos brasileiros - para serem investidos nos próprios brasileiros.
Se criou uma cultura no Brasil que o dinheiro público deve servir para propósitos maiores, mais distintos, refinados, isto é, a população não é digna destes bens. A população que produziu este bem, não tem direito a ele. Um absurdo completo. É assim, e a política dos juros estratosféricos exemplificam muito bem esta situação, porque, em última análise, esta montoeira de recursos se concentra nas mãos de poucos.
E aí se volta à questão cultural, se for para poucos, o montante total, a operação é legítima, é legal e necessária, beneficia a economia, todo tipo de justificativa surge da cartola para não ter questionamentos. Agora, se a operação, o montante de recursos, for beneficiar, na prática, o conjunto da sociedade, aí ela automaticamente vira despesa, gastos, desperdício, sem justificativa técnica, rombo, dívida, desequilíbrio fiscal e tudo que mais o defina como negativo, sempre querendo condicionar qualquer benefício à população à problemas. Ainda mais, a pior espécie de política usa toda esta situação para colocar os brasileiros uns contra os outros.
A manutenção dos juros em patamares elevados, é sem dúvida, a maior apropriação de recursos públicos da história do país, com apoio das leis e da ciência, que transforma o sistema econômico num modelo escravocrata, condenando milhões de pessoas à indigência, vida miserável, sem perspectivas, na pobreza do início ao fim. E não importa o custo disso tudo, isso está bem evidente, porque vidas, famílias, negócios, empresas são arruinados por este sistema há anos.
Até quando esta mentalidade desumana, medíocre e excludente será parâmetro para conduzir a economia brasileira? Quando a vida dos brasileiros e o desenvolvimento socioeconômico serão prioridades? Pelo jeito pra sempre.