O meu jejum – 2
O leitor que acompanha estas colunas com frequência sabe que estou realizando um jejum. Quarenta dias, desde a quarta-feira de cinzas, sem consumir carne e derivados e sem ingerir bebidas alcoólicas. E quem me conhece há mais tempo, também sabe o quanto sou apreciador de cervejas artesanais e, aqui onde vivo, dos vinhos portugueses. Mas vamos aos fatos da semana.
Sem bebida
Não está sendo nada complicado ficar sem beber. Ainda não notei nenhuma alteração de humor. Continuo chato. Não melhorei nem piorei. Até aqui, já superei metade do desafio. Para quem bebia praticamente todos os dias, ficar três semanas sem beber é um grande feito. Mas como o diabo veste outras roupas, a bebida tem me aparecido com outras roupagens. Doces, para se mais exato. Notei que tenho sido tentado a comê-los, o que acaba por ser uma fraqueza. E como já vivia sem eles, não havia razão para os cortar.
A comida
Desde que parei com as carnes, tenho ingerido mais peixes como forma de manter a proteína circulante. Na semana passada, até preparei hambúrgers para a família mas o churrasco de domingo foi substituído por um risoto de camarão, que aqui é bem barato. Logo, não sofri nenhuma tentação das carnes. Ficaram mesmo restritas aos doces. Mas comer um hambúrguer veggie ninguém merece. Eita coisa ruim. E foi o que fiz naquela noite. Por vezes parecia estar comendo papelão temperado. Até a cor lembrava o derivado da celulose. Mas enfim, misturado aos demais ingredientes do hambúrger, consegui tolerar a alternativa.
O sono
Um dos meus propósitos nesse desafio quaresmal é identificar a memória dos sonhos. De fato, poderia dizer que tenho lembrado mais dos meus sonhos. Talvez o jejum esteja sendo proveitoso para este fim. No entanto, ao acordar, de uma dessas noites que já não lembro qual, sonhei que estava preparando um belo churrasco. Pronto! Aí estava o que eu imaginava e o que Freud dizia em sua Teoria da Psicanálise. Quando reprimimos algo, o objeto se manifesta em sonhos. No inconsciente. No meu caso, a carne apareceu suculenta, douradinha, com aquela camada de fibras bem seladas, disposta em uma tábua de churrasco com direito a raminhos de alecrim. Só não acordei com água na boca porque foi um sonho do meio da noite. Fosse na hora de acordar seria diferente.
Resumo da semana
Em suma, constatei que tudo é questão de hábito. No caso da carne, é mais fácil se policiar, porque a ingestão requer preparo. Uma ida ao talho, que é como chamam o açougue por aqui, ou mesmo um descongelamento da arca, que é como chamam o freezer. Há como fugir à tentação. Já a bebida alcoólica não. Se estiver em casa, basta abrí-la. Cerveja na geladeira é um perigo. Mas não desanimemos! Tudo é questão de hábito. Como diz a Professora Anete Guimarães, a repetição de um hábito cria novas sinapses em nosso córtex frontal. Segundo ela, se repetirmos isso vinte e uma vezes, fixamos um novo padrão. Não sei se já sofri vinte e uma tentações nesses vinte e um dias, mas seja como for, desafio é a para ser cumprido. Mas bem que não precisava ser tão comprido. Pelo menos já sei o que farei quando acabar.