Estudo revela que alunos que trabalham têm notas inferiores aos que se dedicam exclusivamente ao ensino
Criado em 1998 para avaliar a qualidade do ensino, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é considerado hoje uma das principais portas de entrada para o ensino superior. Com inscrições abertas para a edição deste ano, recebeu só no primeiro dia mais de 500 mil inscrições. Além de garantir o acesso à universidade, o exame tem servido de base para análises relacionadas à educação, a exemplo de um estudo divulgado nesta semana pelo Portal Mundo Vestibular em parceria com a Educa Insights.
O estudo, que analisou dados dos 8,7 milhões de participantes do Enem 2014 revela, entre outros aspectos, que entre os candidatos com notas mais altas, apenas 30% já passaram pelo mercado de trabalho, índice que sobe para 52% entre os que tiraram menos de 450. Além disso, os mais novos também se saem melhor. A média de idade dos que tiraram as notas mais altas é de 20 anos. Quem tirou as notas mais baixas, por sua vez, tem, em média, 23 anos.
Para o sociólogo Thiago Ingrassia Pereira, que é doutor em Educação e professor da área de fundamentos da Educação na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), quanto ao desempenho no exame a questão essencial não é o trabalho em si, mas a variável ‘tempo’. “Ou seja, o trabalho ou qualquer outra atividade que concorra com o tempo para o estudo pode acarretar prejuízos formativos. Estudar e ter um bom desempenho escolar requer, entre outras coisas, investimento de tempo. Se o jovem de classe popular precisa trabalhar para contribuir com o sustento da família vai se deparar com o grande desafio de conciliar tarefas já no período da adolescência e entrada na vida adulta”, analisa.
A limitação de tempo para o estudo também é apontada na análise do doutor em Educação e mestre em Antropologia Filosófica, Arnaldo Nogaro, que é professor da Universidade Regional Integrada (URI): “O fato de ter que trabalhar compromete parte do tempo, além de desgastar fisicamente o estudante. As condições econômicas afetam seu rendimento em função de preocupações de ordem emocional com a família, acesso aos bens culturais, entre outros aspectos”, pontua, salientando, primeiramente que “muitas vezes, quem trabalha já vem de um segmento mais pobre e possui, inclusive expectativas mais baixas em relação ao seu futuro”.
Ingrassia, por sua vez, elenca ainda outros aspectos relacionados ao peso do trabalho sobre os estudantes. “Não é por acaso que os indicadores educacionais mostram que o ensino médio noturno é problemático, seja no tocante a reprovações ou a desistências (evasão). Não é simples trabalhar dois turnos e ir à escola no terceiro. Há esgotamento físico e psicológico. Contudo, a expectativa de mobilidade social ascendente, o popular “melhorar de vida”, ainda possibilitada por anos de escolarização é um grande incentivo para a dupla ou tripla (no caso de muito mulheres) jornada de atividades”, completa.
Ensino público e privado
Conforme o estudo, ao se analisar o desempenho dos participantes no Enem, é possível observar que ao se levar em conta se os estudantes vêm de escolas públicas ou privadas, a diferença não é tão gritante entre os melhores resultados, com 56% das privadas versus 44% das públicas. “Porém, a desigualdade se torna alarmante entre as notas mais baixas, uma vez que 94% de todos que fizeram menos de 450 pontos cursaram o ensino médio em escolas estaduais ou municipais.
Quanto a isto, Pereira comenta que, além da diferenciação entre público e privado, é preciso ter em vista que há “escolas boas e ruins”: “Isso é decisivo. Certamente, seria necessário definirmos o que se entende por escola boa e esse não é um debate simples na área educacional. Temos alguns indicadores mais objetivos, mas que não dão conta sozinhos de aspectos qualitativos do processo de ensino-aprendizagem. Há excelentes escolas públicas assim como há oferta de ensino privado de problemática qualidade. Não é correta a tendência de associar exclusivamente à escola pública uma oferta de ensino de baixa qualidade”, enfatiza.
O professor chama atenção ainda para o que ele considera a questão principal: “como as oportunidades educacionais se apresentam em uma sociedade marcadamente desigual, na qual os capitais materiais e culturais estão desigualmente distribuídos. Junto às oportunidades, há a questão em muito associada a essas oportunidades, do envolvimento efetivo do(a) estudante”, finaliza.
Conciliando funções
Aos 17 anos, Anna Luiza Tomczinski se divide entre as funções de estudante do terceiro ano do ensino médio no turno da manhã, e secretária em uma empresa de placas automotivas à tarde. Embora concilie bem as duas atribuições, ela não nega que, em relação aos colegas que apenas estudam, possa vir a ter prejuízos em seu desempenho escola em razão do tempo em que estuda. “Alguém da minha idade que tem tantos vestibulares e provas como eu, mas não trabalha, tem mais tempo sim de estudar. Porém, eu acho que não me atrapalha em nada trabalhar no turno inverso em que eu estudo, até porque a noite eu tenho tempo livre alguns dias e posso me aprofundar mais. O tempo que tenho disponível sempre procuro aproveitar”, relata.