A seca vai mostrando a cada dia a face mais cruel e desumana, impiedosa, na medida em que as chuvas, esparsas e com pouco volume, não conseguem fazer frente à escassez de água e ao calor diário com temperaturas médias de 30 graus, que literalmente destroem lavouras, plantas, animais e famílias. O Alto Uruguai vive a pior estiagem dos últimos 30 anos e muitas questões surgem nesta crise hídrica, com relação ao uso e costumes e, também, preservação da água, que devem envolver comunidade e poder público. Neste momento, é preciso discutir alternativas e o que pode ser feito para preservar e cultivar esse bem indispensável à vida.
Situação dramática
No Alto Uruguai, estima-se que milhares de famílias já estejam sofrendo com a falta de água, dependendo do transporte feito por caminhões alugados pelas prefeituras para suprir essa necessidade. Dos 32 municípios do Alto Uruguai, 27 já decretaram situação de emergência. Segundo dados da Amau, a média das propriedades municipais, na região, sem água potável para consumo humano e animal, já atinge mais de 13%, tendo municípios que contam com aproximadamente 40% das propriedades desabastecidas de água.
Ação imediata
O trabalho das prefeituras é fundamental e sem elas o sofrimento e os prejuízos das famílias, sem água, seriam ainda mais devastadores. O poder público junto com Defesa Civil, Força Voluntária, entidades, conseguem ainda dar uma resposta rápida, no entanto, é importante dizer, porque, por mais óbvio que possa soar, tem onde buscar água para abastecer quem precisa.
Assim, a resposta imediata, se faz urgente, como as prefeituras vêm fazendo, mas também ações que contemplem a preservação desse bem, que quando falta, literalmente, quebra a estrutura produtiva agrícola e industrial, como se está vendo neste momento, com perdas econômicas que passam de bilhões de reais, e que ainda continuam e estão sendo computadas.
Alternativas
“A água é um tema comum nos conteúdos de ciências no ensino fundamental. Desta forma, seria de se esperar uma maior compreensão de questões relacionados a ela, seja sobre a sua origem, sua forma de uso e de costumes e quanto ao seu destino. Quando a primeira torneira foi implantada, junto com o primeiro sistema de condução da água, por canos, esqueceram de informar que após o uso da água, pela abertura da torneira, esta deveria ser fechada. Pois o costume da época, era trabalhar em cursos de água contínuo. Assim, o reservatório que fora construído para armazenar água, para vários dias, ficou seco em poucas horas. Desde então, sabe-se que a grande questão relacionada à água, na nossa civilização, está no seu ‘uso’ e ‘costumes’, além do óbvio de saber de onde ela vem (a origem) e para onde ela vai depois de a utilizarmos (o destino). Exemplificando entre ‘uso’ e ‘costume’: na agricultura, a irrigação é uma forma de uso e como ela é executada, aspersão ou cotejamento, entre outras, é o costume, ou seja, a maneira como é feito o uso”, comenta o professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Antônio Carlos Machado da Rosa, que atua há 38 anos na área, e trabalha em parceria com o Centro de Apoio e Promoção de Agroecologia (CAPA) de Erechim.
Usos e costumes
Segundo o pesquisador, uma análise preliminar quanto à redução da disponibilidade de água, devido à falta de chuvas regulares (estiagem), deve começar pela identificação de “usos” e de “costumes” de uma população rural ou urbana, para verificar que ações poderiam ser efetivadas, adequando o volume utilizado, visando o controle e a redução do consumo diário de água. “Algumas dessas ações podem ser aplicadas imediatamente. Outras necessitam de um aprendizado quanto aos ‘usos’ e ‘costumes’, incluindo-se a implantação de tecnologias mais adequadas e atualizadas quanto a necessidade de consumo”, explica.
Agricultura
Ele cita como exemplo a irrigação numa lavoura, em que sensores climáticos podem orientar o volume de água necessário e quando ela deveria ser disponibilizada às plantas. “Para isto, tanto pode ser usado equipamentos fixos no solo quanto sensores postos em ‘drones’, que periodicamente voariam por sobre a lavoura. O nível tecnológico atual em relação a isto, apresenta uma diversidade de possibilidades”, afirma.
No que diz respeito às discussões relacionadas ao preço de determinadas tecnologias, é sempre útil lembrar do uso de celulares, que a princípio, era restrito por ser extremamente caro. “Hoje, se considerarmos a função primária dele, de telefonia móvel, é possível obter os mesmos, por preços extremamente acessíveis, tornando-os em números, superior ao da totalidade da população brasileira”, exemplifica.
Tecnologias
O professor e pesquisador, Antônio Carlos, explica que a necessidade de tecnologias apropriadas ao controle de uso e de costumes da água, pode estimular o surgimento de centros de desenvolvimento de inovações em tecnologias, localmente, apoiadas e mantidas por entidades de capital humano e financeiro. “Oportunizando, assim, na região, a possibilidade de mais e novas áreas de ensino e por consequência, de trabalho e de geração de renda. Estas tecnologias, podem também auxiliar em aspectos relacionados a origem e ao destino de águas”, comenta.
Áreas rurais – origem
Com relação à origem da água, antes mesmo do uso de tecnologias mais atualizadas, é importante identificar nas áreas rurais onde, inicialmente, existiam fontes de água e buscar recuperá-las, o que aumentaria a disponibilidade de água local e até regional. “Neste caso, o uso do redesenho de áreas disponíveis para atividades de produção vegetal e de animais, na propriedade, pela concepção de ecologia da paisagem, se torna auxiliar e importante para tal. Não haverá um retorno imediato da disponibilidade de água, mas por experiências, entre três e cinco anos, estas fontes primárias voltam a existir”, observa.
Captar água
Uma outra maneira, acrescenta Antônio Carlos, é a de construir áreas de captação de água da chuva, tanto na área rural quanto urbana, armazenando-a. “A forma de se fazer isto, requer especificidades que podem ser identificadas e resolvidas. Por exemplo, cada construção urbana ou rural, poderia ter calhas de captação de água, no telhado e uma cisterna dimensionada em conformidade com às necessidades definidas para o local. A potabilidade desta água, pode ser obtida pela administração de sais a ela, por tecnologias desenvolvidas localmente. Mas, o simples uso desta água da chuva, em sistemas sanitários, já reduziria o volume de água potável a ser utilizada para esta finalidade”, ressalta.
Aprofundar questões específicas
Segundo o pesquisador, as águas resultantes das atividades diárias, também poderiam ter destinos específicos, em conformidade com seus usos. Estabelecendo o seu reuso inclusive, em situações possíveis. “Enfim, a discussão sobre ações para mitigar ou resolver a estiagem, requer um aprofundamento em questões específicas, mas podem ser simplificadas em três agrupamentos de conhecimentos: os relacionados à origem; os que compreendem os usos e costumes; os que envolvem os destinos de águas usadas. Distribuídos ao longo de um tempo determinado, em quantidade de ações e conteúdo, em conformidade com a sua importância”, esclarece.