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Economia

Previdência: “Reforma não acaba com privilégios e penaliza mais pobres”

“Uma reforma sempre tem que ser pensada a longo prazo, pelo menos 30 anos. Querer resolver em 10 anos o que deveria ser feito em 30 anos é como tomar o remédio de 15 dias em 5 dias, ou seja, pode matar o paciente. Nessa mesma linha, se entende que além de penalizar muito as pessoas pobres, a reforma é muito rápida”, diz Jane Berwanger, professora de Direito Previdenciário

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“Os Governos "roubaram" os recursos dos trabalhadores e agora se alega que a culpa do problema é dos
Percentual de municípios em que os benefícios da Previdência são maiores do que o Fundo de Participa
Por Ígor Dalla Rosa Müller
Foto Ígor Dalla Rosa Müller

A reforma da Previdência é o assunto mais importante da atualidade em discussão no Congresso Nacional, que afeta indistintamente toda sociedade, e está gerando muitas dúvidas à população. Com o objetivo de trazer luz a um tema tão relevante à vida do brasileiro, o Jornal Bom Dia entrevistou a advogada e professora de Direito Previdenciário, Jane Berwanger. Ela sentencia que a reforma não serve para acabar com privilégios, traz impacto muito grande em todas as pessoas, inclusive os mais pobres, o chamado déficit da Previdência decorre de um desvio histórico de recursos, e o trabalhador brasileiro vai ter dificuldade de se aposentar, terá que trabalhar mais tempo para ganhar menos. “Os Governos ‘roubaram’ os recursos dos trabalhadores e agora se alega que a culpa do problema é dos aposentados”, afirma.

 

Bom Dia: A reforma da Previdência como está sendo proposta é positiva ou negativa para a sociedade, quem são os mais atingidos e quanto ganham? Explique.

Jane Berwanger: A reforma da Previdência é bastante ampla. Ao contrário do que o Governo "vende", a reforma atinge toda sociedade, ou seja, não é para acabar privilégios. Não está certo falar que uma pessoa que ganha dois salários mínimos, e por isso recebe o abono salarial, é um privilegiado. Desse modo, traz impactos muito grandes para todas as pessoas, inclusive as mais pobres.

 

A reforma atual diminui, mexe nos altos salários do funcionalismo público federal e estadual? Reduz privilégios? Quanto os altos salários representam nos gastos do governo?

Sim, a reforma mexe com essas pessoas. São duas mudanças importantes: - hoje existem aposentadoria por tempo (30 anos de contribuição / 55 anos de idade para as mulheres e 35 anos contribuição / 60 anos de idade para homens) e por idade (60 anos mulher e 65 anos homens, com mínimo de 10 anos de contribuição). Com a reforma, vai ter apenas uma modalidade: aposentadoria por idade com 62 anos de idade mulheres e 65 anos de idade homens, com pelo menos 25 anos de contribuição.

O cálculo do benefício

Hoje muitos servidores conseguem se aposentar com a sua última remuneração. Com a reforma, isso somente vai ser possível para quem entrou no serviço público antes de 2003 e completa 62 anos de idade mulheres e 65 anos de idade homens.

 

Como fica a situação dos senadores, deputados federais, juízes, procuradores, governadores na reforma da Previdência? Muda alguma regra ou benefício?

Os juízes e procuradores são servidores públicos como todos os demais. Não há regras diferenciadas para eles. Os governadores são contribuintes do INSS, mas alguns estados tem lei própria concedendo uma espécie de pensão vitalícia. O STF tem julgado essas leis inconstitucionais, porque não tem amparo na Constituição Federal.

Já os deputados e senadores tem um regramento próprio: O Plano de Seguridade Social dos congressistas. Funciona assim: - aposentadoria com proventos integrais, após 35 anos de exercício de mandato e 60 anos de idade, para ambos os sexos; - aposentadoria com proventos proporcionais ao tempo de exercício de mandato, após 35 anos de contribuição e 60 anos de idade, para ambos os sexos. Neste caso, os proventos serão calculados à razão de 1/35 por ano completo de mandato; aposentadoria por invalidez permanente decorrente de doença grave especificada em lei ou de acidente de trabalho, com proventos integrais (só durante o exercício do mandato); aposentadoria por invalidez permanente, nos demais casos previstos em lei, com proventos proporcionais calculados à razão de 1/35 por ano de mandato, assegurado o mínimo de 26% do subsídio parlamentar; pensão por morte do segurado, paga aos dependentes definidos em lei. A pensão corresponderá ao valor dos proventos de aposentadoria que o segurado recebia ou a que teria direito, assegurado o valor mínimo de 13% do subsídio parlamentar. Importante: o parlamentar pode optar ou não por este regime.

PEC 6/19 - Regra de Transição

Se optar pelo regime próprio de parlamentar: 65 anos, se homem, e 62 anos, se mulher - período adicional correspondente a 30% do tempo que faltaria para aquisição do direito à aposentadoria vedada a adesão de novos segurados e a instituição de novos regimes dessa natureza. Os atuais segurados de regime de previdência poderão, por meio de opção expressa formalizada no prazo 180 dias, permanecer nos regimes previdenciários aos quais se encontrem vinculados.

 

O governo está falando muito em colocar os municípios e estados na reforma, o que isso quer dizer?

Isso quer dizer que a reforma somente se aplicará aos servidores públicos federais e os trabalhadores da iniciativa privada. Os estados e municípios terão que fazer as suas leis. Isso é muito ruim, porque vai criar muitas regras diferentes. E muitos estados/municípios terão enormes dificuldades em aprovar mudanças.

 

Se está induzindo a população a um julgamento errado quando se fala em reforma do funcionalismo público? Por quê?

Em parte sim, porque o governo fala que trabalhadores da iniciativa privada e servidores vão se aposentar com o mesmo teto. Só que isto já ocorre no âmbito federal e em vários estados, onde foi criada a previdência complementar do servidor público. A União criou em 2012 e o Rio Grande do Sul em 2015. Os servidores que ingressaram depois disso somente vão se aposentar com o mesmo teto do INSS.

 

Explique como funciona o atual sistema da Previdência? Ele funciona, dá certo? Por que dizem que dá prejuízo?

O chamado déficit da Previdência (se tomarmos por base apenas o que se arrecada e gasta de previdência, se não considerarmos o conjunto da seguridade social) decorre de um desvio histórico de recursos da seguridade social. Quando tinha muitos trabalhadores pagando e pouco recebendo benefícios, em vez de os Governos protegerem o dinheiro dos trabalhadores, gastaram em inúmeras obras, com a promessa de devolver, o que acabou não acontecendo. A previdência social financiou a ponte Rio-Niterói, a Itaipu Binacional, Brasília, etc. Os Governos "roubaram" os recursos dos trabalhadores e agora se alega que a culpa do problema é dos aposentados.

 

Caracterize os aposentados, quanto ganham, do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), qual percentual ganha um salário mínimo, dois, três, dez salários ou mais?

Dois terços dos benefícios são de salário-mínimo. O máximo é R$ 5.839,45, mas é extremamente raro alguém ganhar esse valor. E, 9 milhões de segurados são rurais.

 

A gente ouve muito as pessoas dizer que precisa ser feito a reforma da Previdência a todo custo. Mas qual seria a reforma realmente necessária da Previdência para o Brasil?

Uma reforma sempre tem que ser pensada a longo prazo, pelo menos 30 anos. Querer resolver em 10 anos o que deveria ser feito em 30 anos é como tomar o remédio de 15 dias em 5 dias, ou seja, pode matar o paciente. Nessa mesma linha, se entende que além de penalizar muito as pessoas pobres, a reforma é muito rápida. Algumas questões graves: aposentadoria por idade será de valor bem menor; aposentadoria por invalidez também; pensão por morte pode ser inferior ao salário mínimo; abono salarial será restrito; a idade da aposentadoria vai aumentar; o tempo de contribuição para os homens também; praticamente acaba a aposentadoria especial (insalubridade).

 

O governo considera a reforma da Previdência como a saída da crise econômica. A reforma vai contribuir ou agravar a situação de estados e municípios, porque a ideia é economizar um trilhão em 10 anos e em 20 anos quase cinco trilhões?

A economia retirando dinheiro da sociedade é altamente questionada.

 

Esse dinheiro vai para onde? Tirar recursos de aposentadorias não vai prejudicar ainda mais a economia do país, já que em cerca de 73% dos municípios brasileiros o retorno da Previdência é maior do que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM)? 

Cito a nota do Conselho Federal de Economia sobre a Previdência Social, que diz que dada a evolução demográfica do Brasil e o seu enorme impacto na economia nacional e na condição de vida de milhões de brasileiros, deve ser objeto de correções. “Tal reforma, contudo, não pode imputar prejuízos à população mais pobre e vulnerável, como os trabalhadores rurais, beneficiários do Benefício da Prestação Continuada (BPC), pensionistas e aposentados por invalidez, sob risco de desmontar o sistema de seguridade social implantado em 1988. Deve-se lembrar que 83% dos benefícios concedidos são de até dois salários-mínimos. A reforma que o Cofecon defende começa pela necessária redução de gastos com a Previdência Social com segmentos privilegiados, como os militares e grande parte dos servidores dos poderes Judiciário, Legislativo e mesmo do Executivo, assim como a cobrança de cerca de R$ 400 bilhões referentes aos grandes devedores da Previdência. Entendemos que uma proposta para efetivamente mitigar o problema de financiamento da Previdência Social deveria contemplar a identificação de novas fontes, como a ampliação da tributação sobre a população mais rica, sobretudo com tributos de grande capacidade arrecadatória, como a reinstituição do imposto sobre lucros e dividendos distribuídos. De acordo com simulações realizadas pelo IPEA, apenas esse imposto poderia arrecadar – sem alíquotas confiscatórias – os valores pretendidos pela proposta do Governo. Ao contrário da tendência internacional, mantemos um sistema tributário regressivo, com os 10% mais ricos pagando 21% de sua renda e os 10% mais pobres, 32% (Oxfam, 2017). Por fim, ao contrário do que alguns setores argumentam, a aprovação da proposta de reforma da previdência é condição necessária, porém não suficiente para a retomada do crescimento econômico. Sua aprovação pode gerar euforia no mercado, levar a uma valorização dos ativos financeiros, mas não garante a geração de empregos, porque a capacidade ociosa que persiste na maioria dos setores decorre essencialmente da reduzida demanda efetiva. O mesmo se dizia da reforma trabalhista quando foi promulgada há dois anos, que geraria milhões de novos empregos, mas o que se tem hoje é o oposto. O Cofecon recomenda que o governo implemente políticas específicas para a geração de empregos e renda”.

 

O governo não teria outras alternativas para economizar na máquina pública? Um exemplo seria rever o pagamento dos juros e amortizações da Dívida Pública Federal, que quanto mais paga maior fica? Ou colocar mais recursos na economia com a diminuição dos juros, renúncia fiscal, enfim, ações na política econômica do país que teriam efeito direto no caixa do governo federal? Comente.

Sim, outras tantas alternativas poderiam ser discutidas. Por exemplo, repensar os juros e a própria Dívida Pública.

 

Na sua avaliação o trabalhador brasileiro vai ter dificuldade de se aposentar se reforma da Previdência for aprovada? Explique?

Sim, porque vai ter que trabalhar mais tempo e ganhar menos. Embora, algumas questões mais graves foram excluídas da reforma: mudanças para os trabalhadores rurais e benefícios assistenciais.

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